José Pereira
O Maior de todos os sertanejos. Fez-se operário para tornar-se Mestre da Vida. Foi exemplo de dignidade e honradez que fez estruturar uma Família, nosso legado maior.
No alvorecer de um lindo dia, tudo parecia diferente, o sol ardente, causticante, entretanto de vez em quando uma brisa cálida, na ânsia de se preparar para receber um sertanejo guerreiro, forte, destemido. Com um destino já rascunhado: que teria uma história vibrante de lutas e labutas, porém destinado: um grande vencedor!
Era 16 de outubro de 1916, nascia o primogênito do casal: Joaquim Pereira da Silva e Francisca Fulgêncio de Lima, que foi registrado e batizado com o nome de: José Pereira Lima. Tendo como madrinha Nossa Senhora das Dores. A família Pereira veio da Paraíba, especificamente de Conceição do Piancó. Outros de Pajeú de Flores, Pernambuco limitando com Paraíba. A família Fulgêncio veio do Icó, uma das primeiras, a povoar o município de Araripe, antes denominado Brejo Seco.
Uma prole constituída de oito (8) filhos; três (3) faleceram logo ao nascer. Permanecendo os cinco: José, João, Sebastião, Expedita, Antonia. José Pereira, filho exemplar, obediente, trabalhador, justo e honesto; algumas de suas características marcantes. Para defini-lo necessito de bem mais adjetivos.
Na sua época não existiam Escolas Públicas. As salas de aulas eram formadas em residências particulares, citando como exemplo: a do Sr. Raimundo Evangelista, no Saco do Desapregado. Os professores eram leigos, porém dotados de compromisso e responsabilidade, primando pela educação e aprendizagem de seus alunos. Foi de uma época rígida, da palmatória e de castigos. Seus professores: Dr. Cândido (Juiz de Direito) ministrou aulas na residência de seus pais; Naninha Boboca, Dona e Dona Teodorina. Estudou até o 3º Livro. Aprendeu a ler e escrever, destacando-se em Matemática. Trabalhava as quatro (4) operações no lápis e de cabeça. Muito ativo e esperto, começou a lida desde cedo com seu pai e seu tio Jerônimo Fulgêncio, (alto comerciante, bem sucedido, na arte de comprar e vender). Conceito denominado pelo seu sobrinho, José Pereira. Não tinha comércio estabelecido, comprava no período da safra, armazenava e vendia na época que desse preço.
Cresceu, estudou, trabalhou e se apaixonou por sua prima legítima: Maria Fulgêncio de Lima (Cesília), realizando Enlace Matrimonial em 10 de fevereiro de 1942. A Cerimônia de Casamento Civil se deu no Casarão do seu tio, futuro sogro, Jerônimo Fulgêncio. A Fazenda Buracão nesse dia se engalanou para receber os convidados e foi realizada pelo Juiz da Comarca de Araripe: Dr. Cândido Couto. O Casamento Religioso foi celebrado pelo Padre Antônio Costa, na Igreja Matriz de Santo Antônio, nosso Padroeiro.
Desse enlace matrimonial nasceram nove filhos: João Ione (in memoriam), Ionete, Igeldo, Idilson (in memoriam), Idenilza, Idália, Ione, Iara e Idênia. Todos araripenses e formados. Em quase sua totalidade com cursos Universitários e mais de uma graduação. Lembro-me de uma passagem que lhe deixava feliz e envaidecido, quando tinha a oportunidade de falar da educação dos filhos, o mesmo fazia questão de mostrar as mãos calejadas e dizer: nunca precisei estender essas mãos para pedir ajuda a ninguém para educar vocês. Viveu ensinando-nos através de exemplos. Sentia-se feliz com a certeza da missão cumprida. Não posso deixar de referendar outra nossa irmã muito querida e amada por todos, que sempre morou conosco, Neuzinha, a nossa governanta.
Doze (12) netos: Cibele, Moema, Carolina, Mariana, José Neto, Juliana, Liana, Mateus, Camila, Natasha, Natalie, Caio. Três (3) bisnetas: Ana Sofia, Lara e Marina. Partiu antes de conhecê-las. O que lamentamos profundamente.
Convicto que constituiu uma família feliz, e que todos são bênçãos em cada momento da caminhada.
Procurou viver à vida sem maltratá-la, soube engrandecê-la, era humilde e honrado, amigo de todos, sendo bom para si e muito melhor para os outros.
É claro, eu não posso esquecer que Maria Paulino, João Jordão, Antônio Macário, Pedro Maria, Pedro Caetano e tantos outros fazem parte da história. Tinha padrão de honradez. Foi um pai de família exemplar, severo, porém amigo. O tempo abrandou-lhe o ímpeto, na velhice tornou-se meigo e amoroso.
Sempre foi um homem honrado, respeitado e admirado, partiu dia 22 de fevereiro de 2005, deixando um grande legado: a coragem de enfrentar as adversidades da vida com altivez, serenidade e cabeça erguida sem jamais se deixar abater pelo desânimo ou pela fraqueza.
Foi-se deixando um grande vazio, que me fez lembrar, de um poeta paraibano...
"Saudade mata é verdade; mas dessa morte eu me esquivo.
Como morrer de saudade? Se é de saudade que eu vivo!"
Mas essa saudade é tão intensa que ela dói e tem cheiro, para vocês terem uma noção, conheça! De autoria da sua neta: Carolina Pereira de Alencar:
CHEIRO DA SAUDADE.
Hoje amanheci com o cheiro da saudade,
Cheiro da casa de taipa na serra de Vô Pereira,
Cheiro do fogão a lenha
No cantinho onde Dona Maria nos fazia capitão
Um pneu velho de trator
Que sentávamos para brincar de Escravo de Jó,
Um pote com água geladinha na sala
E aquele cheiro marcante de fumo
Misturado com o couro da roupa de vaqueiro.
Esse é o cheiro da saudade que
Eu sinto desde ontem.
Essas são as marcas das pegadas de José Pereira Lima.
TAREFAS DESEMPENHADAS NA SOCIEDADE LOCAL
Na sua trajetória exerceu várias profissões, cargos e funções. E em cada passo deixou marcas indeléveis. Vaqueiro do seu próprio gado, agricultor, pecuarista, fazendeiro, comerciante e político.
Possuidor de vários bens: casas na cidade, Serras, Sítios, fazenda de gado, além de criação de porcos, galinhas e ovelhas. Uma vastidão de terras onde cultivava mandioca, milho, feijão, algodão, fava, andu; ainda macaxeira, jerimum, abóbora e melancia.
Promovia grandes farinhadas duas vezes ao ano: janeiro e agosto, (um tanto supersticioso, nunca iniciava no mês de agosto e sim na última semana de julho), na produção de farinha e goma para consumo, venda no comércio local e regiões mais afastadas em algumas cidades do Ceará e Pernambuco. Era uma atividade muito animada, porém cansativa, chegava a demorar mais de um mês. A cada término de farinhada era distribuição de goma fresca ou tapioca de forno para vários amigos. Tinha aviamentos em diferentes locais: Serra do Pernambuco, Vitorino, Serra Jequirí, etc. Iniciando essa atividade ainda com seu pai, quando as farinhadas eram movidas a junta de bois, as velhas bolandeiras. Com o tempo evoluiu para motor. Muitos anos depois, com o surgimento das fábricas, ele passou a farinhar esporadicamente, apenas para produzir goma e farinha para consumo, porque ainda lidava com muitos trabalhadores, e o restante da mandioca vendia para as fábricas, até um dia desistir de vez da farinhada, continuando como produtor de mandioca e vendendo toda produção para fábricas de farinha.
Como comerciante, iniciou essa atividade ainda quando era realizada em comboios, vendiam farinha e goma em surrões e compravam milho. Pegava frete para Assaré, Santana ou Campos Sales, que nessa época era chamada de Nova Roma. Segundo ele, não tinha nenhum perigo. Dormiam nas estradas, levavam dinheiro e nada acontecia. Depois foi que ele estabeleceu comércio nesse prédio que ainda hoje é um imóvel da família.
Seu comércio era diversificado: peças de bicicleta, máquina, sapatos, meias, louça, panela, motor, gasolina, querosene, cigarro, corda, fumo, gêneros alimentícios, chumbo, pólvora, fósforos, etc. Bebidas? Algumas. Muito pouco, não gostava de bêbado no pé do balcão. Por muitos anos quem fez a sua contabilidade foi Dona Dilosa, trabalhava na Coletoria, ela e Antonio Almino.
Quanto à questão religiosa, naquele tempo, segundo meu pai, era muito boa, centro de encontros de amigos e parentes. As estradas eram cheias, tanto de pessoas que vinham a cavalo, como a pé, para vir assistir as missas do domingo. Dia de Todos os Santos, Natal e Ano Novo, eram festas grandes, além das Festas dos Santos: São Sebastião, São José e Santo Antonio.
Quando se aproximava as Festas dos Santos, o Padre nos convocava para sair pedindo esmolas para o leilão. Entregava uma lista, assinava e carimbava e seguíamos montados a cavalo para o Brejo, Alagoinha, Desapregado, Junco, Sítios e Serras... Pegando doações. Cada um contribuía com o que podia, desde a saca de feijão, farinha, arroz; à abóbora, galinha. E tinha os que faziam doação de garrotes, criação, peba, etc. Quando na noite do leilão, segundo ele, era mais besta do que hoje, foi à expressão usada, se sentia na obrigação de colocar preço e arrematar, os garrotes, a criação, o peba, e assim por diante. Porém trabalhava com alegria, angariando fundos para a Igreja Matriz. Além de compor a equipe de organizadores das procissões, durante anos a fio. Teve vida ativa na Paróquia de Santo Antonio.
Falou também das festas: bailes e forró. Sempre existiu talvez mais do que hoje, entretanto tinha organização, quem era de baile, era de baile; os homens todos de paletó e gravata, as mulheres bem vestidas e elegantes. E eram contratadas as melhores orquestras. Quem era de forró, frequentava o forró, não se misturavam. Diferente de hoje, que basta ter dinheiro. Vai de bermuda, de chinelo, de boné...
Foi membro da Sociedade São Vicente de Paula, antes denominada "Conferência São José", desempenhando por algum tempo a função de Secretário, Tesoureiro e depois Presidente daquela Instituição: Os Vicentinos. Na Cooperativa Agrícola, assumiu cargo de Tesoureiro e Presidente e foi membro atuante do Sindicato Patronal.
Numa certa época chegou a ser convidado pelo Senhor João Almino, para assumir o cargo de Delegado, porém foi bastante simplório, decidido e agradecido: Seu João Almino entre a Lei e o amigo, eu ainda fico com o amigo. Um exemplo de incomum lealdade.
Por falta de Promotor na cidade, foi nomeado Promotor Ad hoc, para casos específicos, durante várias ocasiões. Assumiu com grande responsabilidade o encargo conferido por seu grande amigo José Vieira da Silva, a Tutoria do seu filho menor, Afonso Vieira da Silva; de amparar, proteger, e defender sua pessoa e seus bens.
Quando meu pai se referia à política da sua época, definia: política, era política, não era casa de negócio como hoje. Havia sinceridade, compromisso, não precisava assinar papel, entretanto era um compromisso de palavra de homem pra homem. Reuniam-se, tinham seus pontos de vista, mas o que era definido em reunião, era o que se cumpria. Quando qualificava um eleitor, aquele era seu eleitor. O povo assumia e honrava o compromisso. Nas eleições eram distribuídas refeições para os eleitores e nossa casa foi palco de tudo isso durante muitos anos. Quando passava a eleição todos iam cuidar das suas vidas, dos seus trabalhos.
Foi eleito por quatro (4) pleitos, segue datas:
- Na eleição de 08 de outubro de 1954, eleito vereador, assumindo seu 1º mandato de 1955 a 1959;
- Dia 08 de outubro de 1958, eleito Vice-Prefeito, cumprindo seu mandato de 1959 a 1963;
- Dia 22 de novembro de 1966 eleito novamente a vereador, de 1967 a 1970;
- Em 15 de novembro de 1970, houve uma eleição denominada: Tampão, por um período de dois (2) anos. Assumindo a Presidência da Câmara de 1969 a 1971;
- No dia 15 de novembro de 1972, eleito vereador, com um mandato de 17 de dezembro de 1972 a 31 de dezembro de 1976. Como 2º Presidente da Câmara de1973 a 1975;
José Pereira Lima exerceu todos esses mandatos em sua plenitude, participando ativamente das Sessões, sem perceber qualquer tipo de remuneração ou subsídio, por motivação exclusivamente política.
Ser humano de alma e coração generoso, desprovido da ganância e dotado de uma visão futurista, na esperança de oferecer condições melhores de vida para o povo de Araripe: doou 10.000m² (dez mil metros quadrados) de terra onde foi construído o Hospital Lia Loiola de Alencar. Não se dando por satisfeito, ainda doou terreno para a construção da Escola do Município: Orlando Bezerra. E outra área para edificar a Subestação foi doada à COELCE. Após tomar posse da terra, a empresa analisou e concluiu que o local não era apropriado, e simplesmente leiloou, sendo o comprador um senhor de Juazeiro do Norte.
Viveu e vivenciou cada dia acrescentando algo de bom no seu município e sentiu a alegria de ver a semente semeada, germinar.
Quanto da profissão de Pecuarista, conceituo como sofredor. O Nordeste sempre foi assolado por grandes secas e o meu pai sofria junto com o gado e a terra. Acredito que por isso ele se identificava e era grande admirador das músicas de Luiz Gonzaga e a Triste Partida de Patativa do Assaré, que tão bem retrataram o sofrimento dos sertanejos nordestinos.
"Setembro passou outubro e novembro
Já tamo em dezembro, Meu Deus, que é de nós
Assim fala o pobre do seco Nordeste
Com medo da peste da fome feroz...
...Que braseiro, que fornalha, nem um pé de plantação
Por falta d'água perdi meu gado, morreu de sede meu Alazão...
Numa tarde bem tristonha, gado muge sem parar
Lamentando seu vaqueiro, que não vem mais aboiar
Não vem mais aboiar, tão dolente a cantar
Tengo, lengo, tengo,lengo, tengo, lengo, tengo..."
Ao aposentar como autônomo, desmembrando do comércio, voltou a se dedicar mais a agricultura e pecuária, enfrentando a dificuldade da mão de obra, entretanto decidido construiu sua nova morada na Serra, denominada José Pereira.
Como bom leitor, sempre se interessava pela notícia falada e escrita, em rádio, televisão e assinante dos Jornais: "O Povo" e o "Diário do Nordeste".
Idealizador da homenagem a São Pedro, na serra mandava erguer grande fogueira e se responsabilizava pela comida. Se quiserem beber isso é com vocês, dizia ele.
Primava pelo encontro da família: Semana Santa, Dia das Mães, Dia dos Pais, aniversários e Natal. No Ano Novo, preferia viajar.
Nunca perdeu o hábito de nos finais de semana, estando no Araripe, convidar amigos para tomar café, ou almoçar na sua residência, colocando as notícias locais da semana em dia.
Autoria: FRANCISCA IDÁLIA PEREIRA ALENCAR